Asas de Prata de Camilla Lackberg (*****), a sublime continuação do anterior livro, "Uma Gaiola de Ouro", uma história impressionante de sofrimento, querer, luta, vingança e superação. No seguimento do referido livro, em que já descrevia fortemente a personalidade da mulher Faye que contra tudo e contra todos, sobretudo o marido que a atraiçoou e ameaçou, venceu. Neste, rodeada pelas mesmas amigas que a acompanharam na vingança, consegue superar o regresso ameaçador do marido, fugiu da prisão, acaba por lhe pôr termo à vida no crepúsculo do livro, consegue salvar a empresa Ravenge das mãos de quem a quer tirar e, é assim perante um encadeamento de situações, salteado entre o passado, enquanto Matilda com o que sofreu em casa com o pai e o irmão, e o presente em que tem de se superar para consolidar a sua vida e o que conseguiu angariar ao longo dela, que decorre este brutal argumento. A ajuda e companhia das amigas (Alice, Ylva e Kerstin), é decisiva e recompensadora. Mas, no fim, prepara-nos enquanto leitores, para a forte possibilidade da continuação desta saga, pois o seu pai reaparece no fim...e......

A Ocupação de Julián Fuks (*****), um excepcional livro intimista com uma forte mensagem política, pensamentos concretizados com emoção com essa componente sempre presente, tanto sobre o momento que o Brasil está vivendo como com o que acontece na humanidade. A humanidade tem que ser ocupada com solidariedade e por todos sem excepção. Um livro introspectivo com uma cumplicidade deste jovem autor e Mia Couto que recebe e escreve cartas a Julián, ou será Sebastian? vive no ar um apelo, uma mensagem, um grito.......dou a palavra ao escritor, "....eu preciso, viver, precisava lembrar viver, não correr o risco de esquecer de viver, cumprir a obrigação de viver, atender ao desejo de viver."

Pensamento

Na vida é preciso ter raiz, não âncora. A raiz te alimenta e a âncora te imobiliza.

O Espelho e a Luz de Hilary Mantel (*****), fascinante, mesmo apaixonante este livro que nos fala sobre uma parte fulcral da história da Inglaterra, os Tudor, a vida de Henrique VIII e do seu conselheiro leal, trabalhador, implacável, não obstante possuir um lado humano que lhe acabaria por ser fatal. Um reinado atribulado, cheio de peripécias, mortes, traições, vidas de medo e sussurrantes numa corte ausente de escrúpulos. Muita gente, nomeadamente, Ana Bolena, Bispo Olsey, Tom More e tantos outros, enviados para a torre de Londres e daí para Tower Hill, o cadafalso, para serem publicamente mortos por supostas ou verdadeiras traições de vários tipos, como religiosas, passionais ou mesmo pelo simples facto de terem uma opinião diferente do rei. Assim, com uma longa e pormenorizada descrição deste reinado e das vidas pessoais de Henry, das suas mulheres e de Cromwell, o seu dedicado secretário mor, os sucesssivos casamentos reais e finalmente por uma brutal e falsa intriga, baseada na inveja, a condenação à morte do próprio Lorde Cromwell, onde nesses momentos que antecedem o seu fim, revisita o seu passado de plebeu, tendo ascendido a pulso à condição de imprescindível.

Pensamento

Um bom livro não termina.....se esconde dentro de nós.

A Pantera das Neves de Sylvain Tesson (****), eis que estamos perante a natureza em todo o seu esplendor, para reflectir, observar, ouvir, sentir, ser paciente, amar, mesmo em ambientes inóspitos e climaticamente agrestes, como é o caso deste livro, Tibete. "Ela alçou a cabeça, sentiu o ar. Carregava consigo a heráldica paisagem tibetana. A sua pelagem, marchetaria de ouro e bronze, era pertença do dia, da noite, do céu e da terra. Tinha ocupado os cumes, os nevados, as sombras da garganta e o cristal do céu, o outono das encostas e a neve eterna.....acanteirado, espírito das neves, vestia-se da Terra.".....Nós, os seres humanos fomos os últimos a chegar e os primeiros a destruir. "Esperar era uma oração. Algo vinha. E, se nada viesse, nós não havíamos sabido olhar."

O General do Exército Morto de Ismail Kadaré (****), interessante livro sobre um tema sofredor, até macabro. Situações dolorosas que têm lugar nos pós-guerra, a procura e transladação das vítimas militares que foram enterradas nos locais em que tombaram em combate. A pedido das famílias e com intervenção dos estados, são nomeadas diversas pessoas para fazerem esse serviço, algo que é emocionalmente massacrante, deixando marcas depressivas em quem tem essas tarefas. O livro está bem escrito e descreve o trabalho efectuado em ambiente naturalmente hostil e através de diálogos muito bem conseguidos, transmite o que vai na alma das personagens. Bom escritor albanês.

Pensamento

Vou buscar-te ao fim da tarde, porque a noite só escurece contigo ao meu lado, porque a noite aprende por ti o caminho aberto das estrelas.

Valter Hugo Mãe

O Meu Irmão de Afonso Reis Cabral (*****), um livro tocante e de uma forte sensibilidade, mas escrito de maneira crua, assertiva e até cruel mas real, dada a sensibilidade dos sentimentos que o autor reproduz em cada linha sedutora que escreve. Dos melhores livros que já li sobre o relacionamento próximo entre duas pessoas, neste caso, irmãos, um deles deficiente, o constante apender a reagir perante as dificuldades de entendimento, o querer fazer sempre o melhor, mas o erro versus sucesso quase constantes e repetitivos. É-nos oferecido ao longo do livro um relato social impiedoso, uma visão do isolamento do interior do país, com o abandono presente, as dificuldades daí inerentes, o amor e simultaneamente o desligamento e afastamento familiar. Termino com o último diálogo entre os irmãos, "Não sei o que te dizer, Miguel!", "Não digas nada!".

Os Hereges de Leonardo Padura (*****), romance absorvente que aborda a saga judaica que chega até aos nossos dias. Hereges, porquê? Porque acompanha do princípio ao fim todos aqueles que, de uma maneira ou outra, põem em causa aquilo em que acreditam ou "deviam" acreditar segundo a comunidade em que estão inseridos. Judeus que não cumprem na íntegra os ditames pela qual se rege a sua religião e, que por isso vivem com medo e são perseguidos pelos fanáticos e ortodoxos. Judeu que deixa de crer no seu deus porque foi testemunha incrédula do envio para a morte dos seus entes queridos porque, simplesmente, eram judeus. Juventude cubana, podia ser em qualquer outra parte do mundo, revoltada, rebelde, contra tudo e todos ao ponto de recusarem viver sem sofrer poque para eles deus morreu. Termino, com uma menção à brutalidade inumana seja de quem for contra seja quem for, só porque sim, tendo sido cometidas atrocidades pela humanidade, cujas palavras para as descrever tenho pudor em as enumerar. Dúvidas eternas...."pertencer ou deixar de pertencer"...."acreditar ou não acreditar"..."viver ou morrer".

Pensamento

Não consigo estar acompanhada por muito tempo, nunca me habituei à presença dos outros, ainda não deixei de me espantar com os que não conseguem comer ou dormir sozinhos, com os que se queixam de solidão, talvez sejam felizes os que conseguem suportar os outros, mais felizes ainda os que precisam dos outros.

Dulce Maria Cardoso

O Outono Alemão de Stig Dagerman (****), jornalista/escritor com uma obra rápida e cheia de dolorosas experiências, que acabou por se suicidar após várias tentativas nesse sentido, escreveu este livro dedicando-o à sua primeira mulher de origem alemã. Livro sobre um tema pouco versado, a abjecta situação em que ficou o povo alemão após a II guerra mundial no seu país, convém lembrar que tirando os soviéticos, foram os alemães que tiveram mais vitímas civis, os que sempre lá ficaram  e os que para lá voltaram. A desnazificação, o sofrimento, a fome, os ódios, revoltas contra o destino, contra quem os levou a perder tudo, contra quem os venceu e derrotou e destruíu tudo o que tinham de pé, arrasando-os. Gerações perdidas, que permaneceram com amargura, histeria, nojo perante a vida e ausência de amor.

Insubmissos de Richard Zimler (****), arrebatador sobre um tema que chocará certamente muita gente, não tanto pelo tema que aflora, abertamente e sem tabus, a homosexualidade, aliás, assumida pelo escritor, mas sim pela maneira como certas cenas são descritas de modo genial e explícito. Livro muito humano num mundo pouco humano, as opções de vida, o sofrimento que as acompanha e magoa, o viver com elas, inclusivé a doença, HIV, como ultrapassar, como amar, como aponta o caminho que não parece possível, mas é redentor, de expiação e de alegria que afoga com desassombro o estigma de ser diferente entre iguais. O amor conseguirá tudo?

Pensamento

 

Autobiografia de José Luís Peixoto (****), quem sou eu? Como posso saber se eu sou eu ou sou eu? Eis as questões que se colocam neste livro. A história de uma fusão de personalidades, entre o José, escritor frustrado, inconsequente e em crise que cruza com José Saramago, serão os mesmos, será realidade, será ficção? Uma excelente narrativa sobre a história de um grande escritor e de um escritor, que bem poderia ser ele em jovem, na procura incessante de um rumo. Como a obsessão por algo pode materializar-se naquilo que se pretende ser. Um livro para viajar mas consistente.