Pensamento

Quem queima livros acabará por queimar pessoas.

Heinrich Heine

A Vida Mentirosa dos Adultos de Elena Ferrante (****), escrito com muita qualidade este romance dedicado ao crescimento, amadurecimanto, à adolescência, ao conflito de gerações, à constante tentativa de compreensão do que os adultos pensam e agem. A rebeldia versus o respeito faz parte da vida de qualquer adolescente numa família, muito mais quando essa família se divide, se desmorona. A tentativa constante de encontrar respostas a questões que vão surgindo, sendo que quando aquelas não aparecem no timing ideal, o que é o mais comum, os erros cometem-se e o factor sorte condensado na família, amigos e ambiente sobressai e é decisivo no normal amadurecimento equilibrado ou não da vida. Elena é brilhante em "entrar" no espírito, na "alma" e na cabeça das personagens femininas e adolescentes.

Nós, os Romanov de Aleksandr Mikhailovich (****), estamos perante um relato único e fascinante sobre a família Romanov e o fim da dinastia imperial russa. Relato esse feito por alguém (Grão-Duque) que viveu bem por dentro aquele marcante período da história contemporânea. É natural que encontremos aqui e ali alguma emotiva parcialidade na descrição de quem esteve ligado por laços familiares aos imperadores e suas famílias, Aleksandr era cunhado de Nicky, Nicolau II. Foi realmente uma época muito conturbada do Império Russo, desde czares que com a sua autoridade, sabedoria e até algum altruísmo, souberam governar com algum equilíbrio e estabilidade, aquele enorme país com dezenas de milhões de habitantes espalhados por milhares de quilómetros (1/6 da superfície mundial), dos quais destaca-se Aleksandr III, que faleceu jovem por exaustão, pai do último imperador, o citado Nicolau II, que foi o inverso, hesitante, alheado, impreparado, acossado pelas revoluções que cresciam, pelos próprios aristocratas (Duma) que viviam constantemente de traições palacianas e ainda das potências ocidentais que até ao fim foram portadoras da mais chocante traição internacional. Chegou o bolchevismo, mas não a paz. Talvez um dia.

Instinto de Ashley Audrain (****), Um autêntico murro no estômago, este livro no meio da sua real e pungente prosa, fala-nos de uma maternidade ou maternidades, três gerações que marcam indelevelmente o percurso genético e que levam a fracassos no modo como a postura das mães se processa. Fracas, educadas rudimentarmente, colocadas em segundo plano no "teatro" familiar, são sujeitas a dilemas e situações limite. Neste caso o que esta mãe mais temia era a maternidade derivado ao passado. Um thriller psicológico tenso e viciante. A ansiedade maternal está sempre presente e desgasta-a quase até à loucura.

Pensamento

Alguns futuros cabem melhor na gaveta dos sonhos do que na cama dos desejos.

O Deserto dos Tártaros de Dino Buzzati (*****+), este livro é fabuloso, um hino à introspecção, a descrição soberba e romanceada da atracção pela solidão. A ida de um militar para uma fortaleza num lugar inóspito, isolado e desértico, parecia o primeiro passo para o regresso o mais célere possível e foi isso que lhe assomou inicialmente pelo pensamento, mas de seguida, apesar das indicações negativas, uma sedução pelo estranho, pelo isolamento, pela possibilidade de algo novo e manifestamente improvável tomou-o integralmente. Uma miragem no meio de um deserto de esperanças defraudadas. De adiamento em adiamento até ficar às portas da morte, desfecho expectável para quem entregou as "chaves" da sua vida ao inimaginável, ao desejo ferveroso, inconsequente e doentio de um destino desejado em termos psicologicamente irrealistas.

As origens do totalitarismo de Hannah Arendt (***), não li o livro na íntegra, li na diagonal esta magnífica e exaustiva pesquisa sobre o que, quando, como e porquê do aparecimento desta brutal e cruel forma de governo que, aposta no isolamento, na aposta do medo, do ataque à dignidade humana, na alienação total do espírito que o ser humano de via promover na sua vida em sociedade. Desde o anti-semitismo, o fascismo, o racismo, o despotismo e o totalitarismo por fim, a bestialidade humana pontual e ocasional tornou-se organizada em estados-nações. Chegar ao ponto de se pensar que mais vale ser cadáver tout court do que cadáver vivo. O governo totalitário transformou as classes em massas, substituiu o sistema partidário, não por ditaduras unipartidárias, mas por um movimento de massas, transferiu o centro do poder do exército para a polícia e estabeleceu uma política exterior que visava abertamente o domínio mundial.

Pensamento

Mar, metade da minha alma é feita de maresia!

Sophia

O Duplo de Fiódor Dostoievski (****), um livro que é o retrato fiel da literatura "monstruosa" de Dostoievski, o drama, o absurdo, a demência, o sofrimento, a loucura, o discurso eloquente versus situação com a realidade definitivamente indecifrável. Neste livro a descrição de alguém que vive constantemente preocupado com o que pensam dele, tentando encontrar justificação para os acontecimentos que o assolam, e que tomam proporções inimagináveis com situações perfeitamente irreais que o levam a sentir-se constante e irremediavelmente perseguido pela malapata. O aparecimento imaginário ou não de um duplo/sósia levam-no a acreditar que não há saída! Haverá?

 

O Desassossego da Noite de Marieke Lucas Rijneveld (***), a culpa, o medo, o sentimento de culpa que esmaga de algo tão dramático, mas que a personagem não sendo culpada efectiva, sofre penosa e literalmente com o pensamento que seu irmão morreu por omissão. Esse sentimento leva-a no fim a por termo à vida. No decorrer do livro, uma série de mutilações emocionais, vendo receando e desejando a morte dos seus pais e irmãos, sacrificando animais, sempre com o espírito da morte ou no mínimo da indiferença parental e fraternal levam todos os intervenientes da família a seguir um caminho doentio e na direcção do abismo...nela...mesmo ao suicídio. O medo, a religião, a ignorância aceleram o desfecho.

Pensamento

Há um pássaro azul no meu coração que quer sair.......voando.

Cisnes Selvagens de Jung Chang (*****), poderoso e contundente livro que, sem pudor, escreve sobre um regime que viveu do medo, da tortura, da indignidade, da ignorância, do isolamento, da aplicação de métodos grotesca e sadicamente horríveis sobre um povo que tanto sofreu, o chinês. Padeceu com as dinastias Ming e outras, pobreza irreal, com a república de Sun Tzé ainda reanimou, sol de pouca dura, o tradicionalismo absurdo que fazia sofrer sobretudo as mulheres (pés enfeixados), era medieval ou pior. Depois guerras, Koumitang (nacionalistas), os japoneses, morreram milhares senão milhões, povo espezinhado, desprezado. Finalmente o "comunismo", leia-se o maoísmo que adulterou, trucidou uma ideologia e milhares que a defendiam de maneira impensável. História contada na primeira pessoa por quem a viveu, Chang Jung, que foi violentada em todos os sentidos, físico, mental, espiritual e que, para além dela, toda a sua família que nunca se separou, algo raro numa China atormentada pelo deserto da humanidade. Ainda hoje, este livro é proíbido na China não obstante a abertura política e ao exterior de que beneficiou. Até aos anos 80 do século passado esse enorme país e esse enorme povo eram arrasados por meia dúzia de Maos.

Torto Arado de Itamar Vieira Júnior (*****), "Sobre a terra há de viver sempre o mais forte". Livro fabuloso com uma estória sobre a vida no interior do Brasil, vida essa vivida com imensa escassez de recursos de todo o género, uma escravatura mascarada de liberdade inexistente. O foco desta descrição cai sobre uma família, uma das primeiras a chegar a uma localidade/fazenda, Água Preta, onde se destacam duas irmãs, Bibiana e Belonízia, que terão destinos diferentes após um crescimento conjunto e cúmplice que encherão de ternura e confronto as páginas desta obra. Os acidentes de percurso, a pobreza, as crenças, o trabalho árduo para ter algo que assegura a subsistência dia após dia. Ao longo do livro vai crescendo a coragem e a abertura para reclamar mais e melhores condições de vida, luta essa com custos elevados, custos manchados de sangue, morte e luto. Fica, assim, assegurada a "bold" a razão de ser da frase aqui inicial....o mais forte vence, mas o mais forte pode ser aparentemente o mais fraco.