O meu nome é Lucy Barton de Elisabeth Strout (*****), todos nós temos uma única história. Igual a si mesma, esta autora, "imita" o modo de escrever e a transparência que coloca nas suas palavras, claras, abertas, confessadas, soltas, como no anterior livro. Cena basicamente passada na cama de um hospital em que a personagem principal, Lucy, passou uns tempos internada, tendo a companhia da mãe que, esteve sempre ausente e cáustica na sua vida. Lembranças que as reaproximaram, que trouxeram à tona de água as diferenças, mas também o amor envergonhado, distante mas algures presente entre ambas. Sonhos por concretizar, pesadelos revividos, encontros fugazes e efémeros com pessoas que ao fazerem um simples carinho e ao darem um pouco de atenção, fazem-nos sentir as pessoas mais amadas do mundo. Uma autêntica enciclopédia de confissões, desabafos e sentimentos entrecruzados.

A filha do comunista de Aroa Moreno Durán (*****), acabei e, quando escrevo este texto, ainda o coração bate acelerado com o que este livro me transmitiu. A vida tem laivos e consequências marcadas pelo local, época, nacionalidade em que se vive ou é natural. Local, RDA, época, a separação das alemanhas, nacionalidade, espanhola fugida de uma guerra civil massacrante. Eis o enredo, um casal, duas filhas num país castrador, autocrático, nascido de uma divisão entre os vencedores, como se de um jogo de monopólio se tratasse. Katia, a figura central, ama a família que a ama igualmente, aparece-lhe alguém, numa idade que esse alguém é uma bóia à qual se pode agarrar para...fugir, passar o muro, sem aviso, sem cartas, sem despedidas, foge de um muro que a separa do pensamento livre e cria outro onde viverá sem nunca ter um pensamento livre de arrependimento. A viragem do mundo dá-lhe a possibilidade de deitar esse muro abaixo aproveitando a queda física do outro (1989). Regressa, mas, a sua vida está definitiva e inexoravelmente cercada de muros intransponíveis. Famílias, a primeira e a criada posteriormente, que o destino, as decisões, impaciências lhe infligiram feridas dificilmente saráveis.

Pensamento

Combater o capitalismo com a intolerância de partido único, manifesta insegurança.

Terra Alta de Javier Cercas (*****), emocionante do início ao epílogo, um hino à paz dentro de uma luta sem fim do personagem, Melchor, desde a juventude, perdida, aos tombos, filho de pai incógnito e de mãe prostituta que o amava à sua maneira, até ter aparecido morta violentamente, algo que deixou o filho inquieto, numa busca rebelde, fora de regras, já se tinha tornado polícia, dos assassinos da mãe, busca inconsequente. Enquanto polícia teve uma noite em que por acaso e coragem, em Barcelona, ao defender colegas, matos cinco terroristas islâmicos. Levado, para sua segurança, para fora da cidade, para uma localidade limítrofe, Terra Alta, onde refez a sua vida policial com um caso intrincado de de violência extrema, que o levou a investigações que acabaram por indirectamente o fazer sofrer mais um desgosto, ao perder a sua mulher, ficando no entanto com o resultado do matrimónio, a filha Cosette, e porquê Cosette?, porque a sua vida foi decalcada quase até ao fim, no livro que o apaixonou literalmente, os Miseráveis, onde ele se reviu em Valjean e no inspector Jalavert. Sofreu, amou, foi traído, enviuvou de quem amou desmesuradamente, descobriu quem, como e porque perpetraram o crime hediondo. "Descobriu no fim que chorava pela vezes que não tinha chorado".

Mataram a Cotovia de Harper Lee (*****), um livro enternecedor que nos toca com enorme sensibilidade as nossas emoções, enquanto aquilo que sentimos perante as desigualdades, perante as diferenças raciais, perante a verticalidade das pessoas, "eu sou o mesmo em casa como sou lá fora", educação sensível, honesta, vivências, com duas crianças, Scout e Jem, que são o espelho de solidariedade, curiosidade, paixão pelo desconhecido e perigoso, aprendizagem diária num ambiente de oásis no meio de tanta indiferença. Não matar, não odiar, compreender outrém por mais diferente que seja, defendê-lo das injustiças a que é sujeito. Assim, gosto pela justiça, revolta pela injustiça. Uma pedagogia de bem estar num pequeno mundo, do bom conviver, da verdade...não matar os inocentes, perdoar os não inocentes.

Pensamento

A felicidade é uma obra-prima: o menor erro falseia-a, a menor hesitação altera-a, a menor falta de delicadeza desfeia-a, a menor palermice embrutece-a.

Marguerite Yourcenar

A Ignorância de Milan Kundera (*****), livro extremamente bem escrito, como não podia deixar de ser, dado tratar-se de um dos melhores escritores de sempre. Versa o tema da ignorância tout court, como o próprio título indica, demonstrando que, com o não nos conhecermos, diminui e mesmo impede, a possibilidade de adquirirmos conhecimento sobre o que e quem nos rodeia. A melhor imagem que interpretei, é que andamos à deriva tentando, sempre, o melhor navegando no deconhecido, seja no amor, seja no ser humano, seja no comum dos comuns. Neste livro, em particular, a personagem Irena, emigra de Praga para Paris no pós-guerra, ficando sem saber, ao regressar, pouco convencida qual seria a sua verdadeira pátria, a que a viu nascer ou a que a acolheu. Eis a ignorância das emoções, dos sentimentos....da realidade. "Quem falhou seus adeuses não pode esperar grande coisa dos seus reencontros."

Lockdown de Peter May (****), livro assustadoramente real e premonitório (escrito em 2005) do que realmente neste momento acontece no mundo, uma pandemia que mata indiscriminadamente no mundo todo com um factor contágio muito virulento. Neste livro em que o suspense, a incredulidade dos métodos utilizados por causa do dinheiro, a violência emocional e física estão sempre presentes. O aparecimento em Londres de um vírus altamente infeccioso e mortal, leva a um estado de guerra, ao "fecho" ao mundo, a saques, tropas na rua, tudo fechado, o medo instalado a qualquer contacto. A juntar a isso, um crime horrendo que provoca uma alucinante investigação e perseguição dos criminosos, que loucamente foram os causadores da propagação do vírus por uma única razão....a farmacêutica estava falida....solução, matar para enriquecer. De destacar o papel de um polícia, nas vésperas de se reformar que, não desiste de desvendar o caso até ao fim, numa altura em que o seu filho era uma das vítimas mortais da pandemia.

Retrato a Sépia de Isabel Allende (*****), ao correr da caneta desta escritora, temos sempre o privilégio de sonhar navegando, vendo as palavras como se fossem imagens. Isabel Allende tem o dom único de nos contar histórias de um modo em que mistura o afecto, o sentimento mais profundo, a crueza humana, as diferenças sociais, o mais leve pensamento de uma maneira única. Este "Retrato a Sépia", é no fundo uma intensa e pormenorizada biografia de uma menina, depois mulher, Aurora, que perdeu a mãe quando nasceu, o pai não a assumiu, foi criada por avós com culturas e condições económicas diferentes, numa míriade de nacionalidades, chinesa, americana, chilena....amores inacabados, pessoas que nunca a deixaram de a amar, um livro bordado num história feita tapeçaria. Emocionante, difícil descolar, impossível esquecer.

Pensamento

O erro da juventude está em achar que já viveu o suficiente para não o ser, quando o é, depois ganha a idade e pensa que ainda é o que não viveu, quando já. Neste vem a velhice, que nos nos encaminha para o fim, e é o que é, sendo-o sem dúvidas.

André Duarte

Povo Traído de Paul Preston (****), um gigantesco livro em todos os sentidos, no tamanho, na dimensão do drama que é descrito. Na realidade trata-se de um povo traído, constantemente em sofrimento na sua grande parte, repudiado, enganado, massacrado, vilipendiado ao longo de anos, ora pela igreja, ora por inimigos políticos, de ideologia diferente que se digladiam e acabam por exercer sobre os mais indefesos na sociedade, uma feroz perseguição e um esquema de tortura, inflingindo uma angustiante pobreza. Desde o reino de Alfonso XIII, o ódio entre a esquerda e a direita, esta sempre mais forte, pelo poder do dinheiro e com o apoio de uma igreja fanática e anti-progressista e finalmente as guerras, a civil, atroz, e o resultado indirecto da não entrada efectiva na II Grande Guerra mas com apoio explícito às forças do eixo. Após isso tudo, as sevícias exercidas sobre os vencidos na guerra civil e a subsequente corrupção que nunca deixou de atormentar um povo espanhol....inequivocamente traído. 

Nada a Temer de Julian Barnes , filosofia do princípio ao fim do livro, crer ou não crer na vida após a morte, na reencarnação, em Deus ou não, ser ateu ou agnóstico, acreditar apaixonadamente em algo que evite o sofrimento, muito adequado aos tempos que estamos atravessando. Família, amigos, gente célebre, decisões relacionadas com a maneira de pôr termo à vida....continuar ou não. Frases marcantes, «Imaginem a vida sem a morte. Por desespero, todos os dias tentaríamos matar-nos.»....«Querem primeiro a boa ou a má noticia? É bom escolher sempre a boa - podemos morrer antes de ouvir a má.»....«Enquanto espero que Deus se revele, creio que o seu primeiro ministro, o Acaso, governa este triste mundo tão bem como ele.». Em resumo, pensamentos profundos sobre o significado da vida versus morte, contado na primeira pessoa, em que o escritor envolve-se e envolve a família num estudo genético e comportamental.

Kingsbridge de Ken Follet (****), a idade das trevas, início do milénio passado e tudo o que ele nos traz de repulsivo, bárbaro e apaixonante, a pobreza, as guerras, a corrupção, as violações, as injustiças, o clero e a nobreza subjugando tudo e todos mesmo os da mesma faixa social mas mais frágeis, nomeadamente, muheres e gente franca e trabalhadora desremunerada. Amores impossíveis, reis cuja justiça era questionável. Basicamente este livro descreve um período conturbado da história da Inglaterra, em que foca primordialmente as injustiças praticadas, as traições efectuadas e a reposição de alguma regularidade num caos de pobreza e obscuros interesses. Uma dinastia de diatribes e terror. Duas personagens que se destacam, amam-se, vivem afastadas física e socialmente, mas que no epílogo, encontram a paz que necessitam, a luz que se acende e amanhece, Ragna e Edgar.

Pensamento

A compaixão com os animais é das mais nobres virtudes da natureza humana.

Charles Darwin

Um Dia chegarei a Sagres de Nélida Piñon (*****), extremamente interessante escrito com uma linguagem muito própria, um misto de erudita e ancestral, trata-se de uma odisseia levada a cabo por um natural do Minho, filho de uma prostituta que o colocou de lado até por imposição do avô Vicente que cuidou do neto Mateus, com esmero, atitude e fortes ensinamentos acompanhados de grande frontalidade e experiência. tendo um professor chamado Vasco da Gama, o que causou o chamamento que ganhou força, quando o avô sucumbiu, foi ir a Sagres visitar o então vilarejo (séc.XIX) onde o Infante D. Henrique apontou para os descobrimentos, era o esse o foco. Viagem atribulada, estadia em Lisboa e em Sagres com consequências funestas na sua mente. Sagres não foi o destino final, sofreu por amor, aprendizagem e de frustração ao descobrir com um alfarrabista, seu hospedeiro, que os descobrimentos foram uma falácia humana, escravidão, evangelização forçada e morte. Falhada a incursão ao promontório, voltou e acabou, após viagens por parte do mundo, em Lisboa, onde encontrou a segurança e paz com uma mulher cujo destino foi igual...solidão, procura de algo melhor, fugir dos humanos incendiários da vida e do amor.